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Espontaneidade e reflexão na constituição de nossa personalidade

30/10/20

Uma das frases mais conhecidas de Jean-Paul Sartre é de que a “existência precede a essência”. E o que isso quer dizer? Quer dizer que primeiro nascemos enquanto um corpo e consciência, ou seja, um corpo biológico que tem algumas características específicas como a capacidade de estabelecer relações com os outros, e que, posteriormente, constituímos nossa personalidade.

Então, se por um lado nascemos com traços físicos definidos, em termos de personalidade o mesmo não acontece. Nossa dinâmica psicológica vai se constituindo nas relações que estabelecemos com o mundo, com as coisas e com os outros. 

Essas relações se dão de forma espontânea, quando mergulhadas nas situações, mas também de modo reflexivo, quando tomamos nossas vivências como objeto de consciência. Nesse momento de reflexão, avaliamos nossas experiências e nos apropriamos de como agimos e de quem nos tornamos por meio de nossas ações.

Reflexões e relações espontâneas

Assim, existem dois modos de nos relacionarmos com a realidade: de forma espontânea, ou de forma reflexiva. No espontâneo, estamos mergulhados nas situações. Na consciência reflexiva, estamos situados de quem somos quando agimos – nosso “eu” está presente em nossos pensamentos e ações. 

Vamos a um exemplo: quando aprendemos a dirigir, muitas vezes ficamos tensos e preocupados. Precisamos pensar a cada movimento realizado: onde vamos colocar nossos pés, em que momento vamos trocar a marcha, como vamos sincronizar essas ações com o olhar para o trânsito e tomar decisões. 

Então, no início do aprendizado, estamos o tempo todo situados. Nosso “eu” está presente em nossa relação com o agir no mundo. Nos perguntamos: “o que faço agora?”, “qual é a melhor marcha para essa velocidade?”, “será que é o momento certo de ultrapassar outro carro?”, “onde coloco meu pé nesse momento?”, “qual a sequência de atos é a adequada para reduzir a marcha?”. 

Essas ações são realizadas a partir de uma consciência reflexiva, que nos indica que somos nós (talvez inexperientes, inseguros) tentando dirigir da melhor maneira possível.

Na medida em que vamos aprendendo com a prática, nos tornamos cada vez mais confiantes para dirigir. Passamos a realizar os movimentos de forma espontânea, sem precisar pensar em cada atitude tomada para fazer o carro ir pela direção correta, na velocidade adequada, com a marcha certa. 

Isso não significa que nosso “eu” não esteja mais lá. Significa que não estamos mais o tempo todo situados das ações, refletindo e planejando cada uma das escolhas. Podemos agora dirigir e pensar no que vamos fazer quando chegar ao destino, podemos lembrar de algo que acabou de acontecer antes de sair de casa ou planejar nosso dia.

Depois de ter aprendido, na maior parte das vezes, dirigimos estando nesse modo de consciência espontânea. Inclusive, por vezes, se algo inesperado acontece – alguém atravessa nosso caminho subitamente, algum carro à nossa frente freia bruscamente – saímos da espontaneidade e nos situamos do modo como estávamos até então: distraídos, pensando em outras coisas, com pensamentos distantes da ação de dirigir – e assumimos uma consciência reflexiva, para nos reorganizarmos na nossa trajetória.

A espontaneidade e o “eu” reflexivo 

Esse modo espontâneo de estar em relação com o mundo não é um problema. Nem irá, necessariamente, gerar complicações em nossa personalidade. Pelo contrário, em muitas situações ele será fundamental para a realização de nossos desejos e projetos. 

Por exemplo: se estamos em uma relação amorosa, será importante estar entregue a um encontro com o outro, mergulhado na experiência de sentir sua presença, receber seu carinho, permitir que as emoções surjam e nos envolvam. É isso que viabiliza um encontro amoroso agradável – estarmos envolvidos e entregues ao momento. 

Se, pelo contrário, estamos o tempo todo pensando “será que estou fazendo a coisa certa?”, “será que estou agradando”?, “por que o outro está falando isso agora? Por que está me olhando assim?”, ou seja, se nosso “eu” aparece em nossas reflexões, entraremos em uma tensão que não possibilitará um encontro genuíno com o outro, nem uma conexão efetiva, uma entrega à ocasião. 

É, assim, nessa espontaneidade que saboreamos a vida. É nela que as emoções acontecem com intensidade e é nelas que podemos usufruir de sensações que nos dão as certezas de estarmos no caminho certo para a realização de nosso ser. 

Por outro lado, é nela também que ao nos sentirmos desconfortáveis (inclusive fisicamente), com impressões de angústia ou de não estarmos no lugar certo, podemos desconfiar que talvez aquelas situações indiquem que, ali, não estamos realizando nossos desejos.

A espontaneidade e o desejo de ser

A espontaneidade é, portanto, necessária. Porém, os momentos de reflexão serão importantes para que, ao ir para o espontâneo, possamos agir de acordo com nossos desejos. Ou seja, realizando ações que se vinculem a outras já realizadas e que contribuam para o alcance de nossos projetos. 

Dessa forma, a reflexão nos oportuniza que nossos atos não sejam uma mera sucessão de momentos presentes, desconectados a outras ações de nosso passado e sem nos direcionar ao futuro que desejamos.

Portanto, a reflexão é um momento importante e “preparatório” para que os mergulhos na espontaneidade nos permitam viver de modo leve. Usufruindo das situações, mas sem nos fazer perder a direção de nosso projeto. Poderemos estar imersos nas vivências, mas com a segurança de que nossas escolhas estão nos aproximando de quem desejamos ser e do o que desejamos viver.

Experiência de tensão 

Por outro lado, é importante não nos aprisionarmos na reflexão. Algumas pessoas passam muito tempo de suas horas e dias avaliando reflexivamente cada uma das situações que vão enfrentar. 

Como no exemplo do encontro amoroso, não se permitem relaxar e usufruir do momento.  Permanecem o tempo todo posicionados em relação a si mesmos, avaliando cada ação e escolha, não indo para a espontaneidade. 

Esse movimento é gerador de tensão e pode levar ao sofrimento. Além disso, pode fazer com que as pessoas não experimentem sentimentos de prazer, bem-estar e de ligação profunda com os outros e com as vivências.

Pessoas que permanecem na reflexão na maior parte do tempo podem passar a vida agindo do modo como acreditam que, socialmente, seja o melhor a fazer. Por isso, muitas vezes não se permitem fazer escolhas conforme seus próprios desejos, não permitem demonstrar aos outros emoções que surgem no momento em que acontecem. 

Essas pessoas usam muito de sua energia pra pensar, antecipar e controlar seus sentimentos e suas expressões, desgastando-se e colocando-se em uma experiência de solidão, visto que pouco do seu mundo é compartilhado com os outros.

Equilíbrio entre espontaneidade e reflexão

Por essa razão, lembre-se: a vida acontece no espontâneo. Os sabores da existência são experimentados quando estamos envolvidos e entregues às situações. Por isso, permita-se

Ao mesmo tempo, não deixe de eventualmente questionar-se sobre suas escolhas e se elas estão levando você ao destino que você deseja. Fazendo isso e estando seguro de que o caminho a ser percorrido é esse mesmo que você tem traçado, retorne às vivências. 

Se avaliar que é hora de mudar o rumo, procure organizar momentos de reflexão – selecione períodos e o modo de realizar essa avaliação, busque apoio para isso. 

Com a psicoterapia, o processo de reflexão ocorre de modo a contribuir para a reorganização de seu projeto, colaborando para que as vivências espontâneas sejam mais viabilizadoras do seu desejo. 

Além disso, o olhar especializado da psicoterapeuta possibilita que você compreenda com mais clareza as dificuldades vivenciadas, tanto nos momentos de espontaneidade, como nas apropriações e reflexões que você vem realizando sobre você e sua vida. 

Experimente contar com esse trabalho para conhecer sua dinâmica psicológica e construir caminhos mais autênticos!

 

Psicologia Clínica Existencialista

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