Neste ano, durante a campanha do Janeiro Branco, um aspecto importante relacionado aos cuidados com a saúde mental foi tema de debates: o preconceito associado às complicações psicológicas que ainda estão presentes na sociedade brasileira.
Muitas pessoas deixam de procurar ajuda psicológica ou, quando o fazem, mantém em sigilo os cuidados que realizam em relação à sua saúde mental, como consultas com psiquiatra, atendimento psicológico e uso de medicações psicotrópicas, por exemplo, por temerem ser estigmatizadas. É frequente que as pessoas associem a necessidade ou a busca por cuidados psicológicos e emocionais à “fraqueza” ou à “loucura”.
Então, vamos aqui analisar alguns desses preconceitos para que possamos, todos, contribuir de alguma forma com a quebra desses paradigmas e, quem sabe, estimular mais pessoas a cuidar de sua saúde emocional.
Breve percurso histórico
Retomando a história da humanidade no ocidente, observamos que, antes da medicina se desenvolver, as complicações emocionais e psicológicas eram explicadas por um viés religioso/espiritual. Assim, as pessoas que enfrentavam dificuldades emocionais ou que apresentavam comportamentos considerados como não aceitáveis para a época e para a sociedade eram vistas como “possuídas” ou influenciadas pelo demônio.
Na Idade Moderna, com o surgimento do Empirismo e do Racionalismo, bem como da medicina, as questões relacionadas à saúde mental passaram a ser consideradas como uma condição de desrazão, ou seja, como ausência de condição crítica para avaliar as situações e cuidar de si. Por esse motivo, as pessoas passaram a ser internadas, para que fossem tuteladas por outros e, em consequência, eram privadas de seus direitos.
Nesse momento, os cuidados estavam associados à retirada da autonomia desses sujeitos e o saber sobre eles estava centralizado na medicina, embora os estudos sobre as causas do adoecimento (tanto físico como mental) fossem ainda incipientes.
Na contemporaneidade, com o desenvolvimento da ciência, por um lado, houve avanços na compreensão e no acolhimento às pessoas que sofrem emocionalmente: passou-se a perceber a importância de não isolar quem enfrenta complicações psicológicas, a enfatizar a necessidade do envolvimento da família e da sociedade no amparo e nos cuidados a quem precisa de apoio.
Os tratamentos também avançaram e hoje são mais eficazes e menos danosos, possibilitando que as pessoas se mantenham mais ativas e participativas possível dos seus cuidados e das suas rotinas.
Corpo e mente integrados
Mesmo hoje em dia, ainda há uma forte lógica que atravessa a história. Ela foi construída ao longo dessa linha do tempo e permanece como racionalidade, ou seja, como “lente” que oferece explicações para as complicações psicológicas.
Um dos primeiros elementos dessa lógica é a ideia de “doença mental” – ou seja, de que há um corpo separado de uma mente, e de que o sofrimento é de ordem mental, proveniente do cérebro (por desequilíbrios neuroquímicos) ou de uma instância psíquica isolada do mundo, identificada como uma “caixa preta” que recebe e armazena conteúdos.
Nessa racionalidade, a mente é uma “entidade” separada do corpo, isolada do mundo, acessível somente ao sujeito, que poderia, então, esconder (ou ter ele mesmo dificuldade de acesso a) sua personalidade, suas emoções, tornando-as totalmente separadas do que vive e de como se expressa. É dessa leitura de saúde e doença mental que vem a ideia de que aquilo que o sujeito vive, “em sua loucura”, não pode ser compreendido por outros.
Também dessa lógica depreende-se que quem adoece, portanto, é a pessoa, como se algo nela estivesse “errado”, como se seu sofrimento fosse exclusivamente causado por questões individuais, às vezes localizadas no corpo/biológico, às vezes localizada em questões psicológicas/mentais.
O medo de buscar ajuda psicológica
Por essa razão, muitas pessoas que enfrentam sofrimentos emocionais deixam de buscar ajuda por acharem que o problema está nelas – que deveriam então lidar sozinhas com suas angústias, que estão “enlouquecendo” por não conseguirem fazer escolhas de modo seguro, por terem sentimentos que podem não ser compreendidos por elas mesmas e pelas pessoas no seu entorno.
Temem que, ao procurar por um profissional, serão então “definitivamente” consideradas incapazes de “dar conta da sua vida”, ou identificadas como inábeis, insuficientes, “anormais” e piores do que outras – não pelos profissionais de saúde, mas por quem está à sua volta.
Por outro lado, essa racionalidade sobre a saúde e a doença mental faz com que se perca de vista que, além de os sofrimentos serem psicofísicos, ou seja, são vividos pelas pessoas em sua integralidade, envolvendo aspectos físicos, psicológicos, relacionais, ambientais, eles não acontecem “de uma hora para a outra”, como se então, “de repente”, fosse descoberto que alguém “tem uma doença mental”.
Os processos de complicação psicológica são constituídos nas relações das pessoas com o mundo, com os outros, enquanto resultado de um processo de construção de uma personalidade, em sua biografia, ou seja, no processo de estar em relação com o mundo e, nele, encontrar dificuldades para viabilizar seu ser.
Isso quer dizer que ninguém enfrenta uma complicação psicológica sem que tenha passado por um percurso de dificuldades que não puderam ser mediadas por quem estava à volta, nas suas relações significativas e que, portanto, resultou em sofrimento quando o sujeito se constatou sem saídas para o que vivia.
Nesse sentido, dizemos que uma complicação emocional acontece atrelada ao modo como o sujeito existe no mundo, como se relaciona com os objetos, com o tempo, com a materialidade e, portanto, como constrói sua personalidade.
Permita-se buscar ajuda psicológica
Por essa razão, é necessário compreender o sofrimento como uma dimensão da vida, como resultante de dificuldades que uma pessoa foi vivendo na medida em que busca realizar seu ser, direcionando-se para o futuro.
E como a personalidade não é algo “inacessível” – pelo contrário, como diria Sartre, o tempo todo nosso ser aparece em nossas ações e atitudes -, é possível que, em especial, na psicoterapia, os profissionais busquem compreender as ocorrências que contribuíram para o sofrimento e, ao mesmo tempo, que elaborações e apropriações cada pessoa foi fazendo desses episódios, até que tenha passado a vivenciar seu ser inviabilizado.
Desse modo, qualquer pessoa pode enfrentar dificuldades emocionais e passar por sofrimentos intensos que gerem complicações e precisem ser cuidados. Quanto antes as pessoas buscam ajuda, menores podem ser os prejuízos para suas relações. Quanto antes as intervenções acontecem, mais rapidamente as pessoas poderão compreender quais são os geradores de ansiedades, angústias, desmotivação e outras emoções que impactam suas vidas de modo negativo.
Lembre-se: se você está passando por algum sofrimento, não deixe que preconceitos e estigmas impeçam de buscar ajuda. Ao procurar por um profissional, você terá apoio para compreender as dificuldades que vem experimentando e poderá, amparada por psicólogos e psiquiatras, construir saídas para os impasses que podem estar na base dessas vivências.
Conte conosco para melhorar e ampliar sua saúde emocional ao longo deste ano.