Este artigo apresenta o relato de um processo psicoterapêutico ocorrido no contexto de uma Clínica de Atenção Integral à Saúde, vinculado a uma Unidade Básica de Saúde e ao Sistema Único de Saúde (SUS), por um período de 12 meses. Trata-se de uma mulher, Sofia, de 36 anos, em tratamento médico para um câncer de mama.
Processo Psicoterapêutico
Descreve-se, neste trabalho, a experiência vivida por Sofia e como sua situação de vida foi compreendida e trabalhada na psicoterapia a partir da teoria existencialista sartreana em psicologia. Para isso, conceitos como escolha, projeto-de-ser, complicações psicológicas, adoecimento, morte, corpo e emoções, bem como o método fenomenológico e dialético proposto por essa teoria, foram norteadores na compreensão e na intervenção psicoterapêuticas. Salienta-se também que o conhecimento sobre a doença orgânica, o tratamento do câncer oferecido pela medicina, em especial na rede pública de saúde brasileira, e a discussão de autores contemporâneos que se debruçam sobre a temática do adoecimento por meio do câncer foram igualmente essenciais.
Desse modo, o artigo retrata alguns aspectos centrais do trabalho clínico realizado com Sofia, num esforço de apresentar uma história “já realizada”. Destaca-se que um texto não abarca a totalidade das múltiplas facetas, as contradições e a riqueza dos movimentos dialéticos ocorridos no processo psicoterapêutico, já que o movimento vivido de um sujeito é complexo e dinâmico, assim como o seu processo de psicoterapia. Porém percebe-se a relevância desse esforço na medida em que, como destaca Silva (2009), é necessário um maior número de pesquisas e publicações que retratem trabalhos com as experiências das pessoas que são acometidas pelo câncer a partir delas mesmas e não de teorias gerais que, comumente, tentam indicar a maneira “correta” de viver esse processo, universalizando as experiências.
A Psicoterapia e o Câncer
Importante ressaltar que um cuidado adotado no decorrer dos atendimentos de Sofia foi o de não reduzi-la a ser uma mulher com câncer. Isto é, por mais que o câncer se colocasse como central em suas experiências, transpassando suas relações, estava diante da psicoterapeuta uma mulher em sua totalidade de ser, mãe, amiga, filha, amante, profissional, com uma história de vida, com conflitos anteriores e atuais, sendo o câncer e o seu tratamento elementos que se articulavam e ganhavam sentido a partir dessa mesma história.
Nesse sentido, no caso de Sofia, considerou-se que a experiência do câncer envolveu diversos aspectos. Um deles foi o de assumir a doença como uma nova dimensão de seu ser-no-mundo, o que exigia apropriação de elementos dessa nova realidade, como a rotina de tratamentos, a incerteza da cura, a possibilidade da morte, as mudanças no seu corpo, as dores físicas. Outros aspectos implicaram a revisão da rede de apoio social para ela e a filha, relacionamentos com familiares, condições de trabalho, o adiamento ou mudanças de planos futuros e em consequência uma ruptura em seu projeto de ser constituído até então, como será discutido adiante. Dessa maneira, a doença pode ser compreendida como geradora de mudanças significativas em seu projeto-de-ser, tendo em vista que alterou a experiência vivida e, com ela, suas ações, estados e, finalmente, qualidades de seu ser. Não se buscou, portanto, um agente causador para o aparecimento do câncer de Sofia, uma vez que a doença envolve uma diversidade de variáveis que se articulam de modo complexo.
Estudo de Caso
Assim, serão apresentados brevemente saberes relacionados ao câncer na contemporaneidade e como essa condição foi vivenciada por Sofia; a constituição do sujeito em Sartre, ressaltando a relação desta com o corpo, uma vez que o sofrimento de Sofia, naquele momento, estava fortemente relacionado a um acontecimento que abateu diretamente seu corpo; o câncer e o tratamento; e, por fim, a descrição sucinta dos principais aspectos trabalhados no processo psicoterapêutico propriamente dito e seus desdobramentos na história de vida de Sofia. Em termos metodológicos esta produção se caracteriza como um estudo de caso elaborado com base nos relatos dos atendimentos psicológicos realizados com Sofia. Este delineamento, segundo Chizzotti (2003), possibilita estudar um fenômeno particular ao longo de um processo e deve contar com registros que permitam a análise teórica e a proposta de ações interventivas.
Acesse aqui o artigo completo, escrito pelas Psicólogas Fabíola Langaro (CRP 12/0799), Zuleica Pretto e Bruna Germano Cirelli.