A sexualidade é, por essência, uma questão individual. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) dispõe claramente que a diversidade existe e deve ser respeitada. E que caso alguém procure auxílio profissional para lidar com relações amorosas, o gênero do parceiro ou da parceira não possui influência sobre a conduta a ser adotada. Se há algum problema relacionado à homosexualidade, esse problema é a homofobia.
Apesar disso, as disputas em torno do tema persistem. Recentemente, no dia 24 de abril de 2019, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu uma decisão da Justiça de Brasília que autorizava psicólogos a atenderem pessoas que buscam uma reorientação sexual. Algo que ficou conhecido popularmente como “cura gay”.
Tal decisão, proferida pelo Juiz da 14ª Vara Federal, no Distrito Federal, Waldemar Claudio de Carvalho, autorizava psicólogos de todo o Brasil a oferecerem tratamentos com a promessa de tornar pessoas homossexuais em heterossexuais. Uma resolução contrária aos princípios do próprio Conselho Federal de Psicologia, descritos na resolução CFP nº 01/99.
Abaixo, veremos como a perspectiva que trata a homossexualidade como doença foi construída culturalmente ao longo dos anos. Entenderemos melhor o posicionamento dos profissionais de psicologia sobre o tema.
Construção histórica
O período conhecido como Idade Média teve início no Século 5 e foi marcado por forte influência da Igreja Católica, que zelava pela homogeneidade dos princípios cristãos, convertendo e/ou punindo quem ousasse desrespeitá-los. Mesmo com o fim dessa fase histórica no Século 15 e com o início de uma nova época conhecida como Humanismo, muitas construções culturais permanecem até hoje.
Na Antiguidade (4000 A.C – 476 D.C), nas civilizações Grega e Romana, o relacionamento entre as pessoas do mesmo sexo era visto com naturalidade. Porém, graças às influências da Idade Média e até a metade do século 19, em praticamente todo mundo ocidental, as pessoas que se relacionavam com indivíduos do mesmo sexo (ou de ambos os sexos), passaram a ser consideradas criminosas e pecadoras.
O termo “homossexualidade” surgiu nesse contexto, na Alemanha, para descrever uma suposta patologia. A partir dessa época, os “pederastas”, como eram chamados até então, passaram a ser consideradas vítimas de uma doença, que deveria ser tratada e não mais punida.
Tal concepção sobre a “homossexualidade” espalhou-se pelo mundo. Tanto que em 1948, a recém criada Organização Mundial da Saúde (OMS) oficializou o entendimento da homossexualidade como doença. Em sua primeira versão, a Classificação Internacional de Doenças (CID) descreveu a homossexualidade como um “desvio sexual”.
No Brasil, somente em 1985, o Conselho Federal de Medicina decidiu por não considerar mais a homossexualidade uma doença. Internacionalmente, a despatologização veio depois, apenas em 1990, quando a OMS retirou a suposta doença do CID e afirmou categoricamente que “a orientação sexual por si mesma não pode ser considerada um desvio”.
Em 1999, os tratamentos de “reversão da sexualidade” foram rigidamente vetados pelo Conselho Federal de Psicologia. As pessoas que não se sentem bem com tais questões podem sim receber auxílio profissional, mas não com a promessa de reorientação da sexualidade. Afinal, não se pode curar o que não é uma doença e não existe reorientação para o que não é um desvio.
De acordo com a resolução CFP nº 01/99, de 22 de março de 1999:
Art. 1° – Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade.
Art. 2° – Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas. Art. 3° – Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica. |
Homofobia
Mesmo com o posicionamento dos órgãos científicos de que a forma como cada um vive a sua sexualidade faz parte da individualidade do próprio sujeito, não de uma doença, as discussões sobre a homossexualidade continuam até hoje. Há ainda, na sociedade, uma inquietação em torno de práticas sexuais diferentes da norma estabelecida sócio-culturalmente, também conhecida como heteronormatividade.
Como vimos no texto “Reflexões sobre o Preconceito”, essa forma de pensar e de agir é construída a partir de concepções universais enraizadas em nossa sociedade e que, muitas vezes, nos são passadas ao longo da vida como verdades.
Em muitos casos, a lógica preconceituosa torna-se tão automatizada que as pessoas não chegam a questioná-la. Assim, em vez de adotarem uma postura crítica com o que lhes foi ensinado, os indivíduos tomam os conceitos universais pré-estabelecidos como verdades, agindo, reproduzindo e transportando-os para a esfera do singular.
A homofobia é um exemplo clássico de preconceito. E, ao contrário da homossexualidade, pode ser modificada. Para superá-la, é importante compreendermos que os seres humanos estão em constante transformação. Uma pessoa com atitudes preconceituosas pode sim deixar de reproduzi-las. E, para isso, o diálogo é fundamental.
A Clínica Consciência Psicologia busca refletir constantemente sobre as generalizações e preconceitos, como a homofobia. Nosso profissionais são comprometidos com a atitude crítica, com a formação contínua e com a redução do sofrimento humano. Conte conosco!