É preciso compreender o que leva o sujeito a pensar em encerrar a vida para que a sociedade possa atuar de forma efetiva na prevenção do suicídio. Neste post, abordamos o tema sob a ótica existencialista. Boa leitura!
Dados sobre o Suicídio
Conforme definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é um ato intencional de alguém que tem como objetivo encerrar a vida. Este é, atualmente, um grave problema de saúde pública, tendo alto impacto social.
A cada ano, tem havido um aumento significativo nas taxas de tentativas de suicídio e suicídio consumado. Este último é a segunda maior causa de óbitos entre jovens de 15 a 29 anos no mundo. Estima-se que mundialmente mais de 800 mil mortes aconteçam por suicídio. Além disso, a cada suicídio consumado, ocorrem 20 outros casos de tentativa.
O suicídio é um fenômeno complexo. É multideterminado pela história de vida e por fatores de ordem antropológica, psicológica, biológica e social. Dentre os fatores de risco de maior incidência estão:
- tentativas prévias de suicídio;
- sofrimento psíquico;
- fácil acesso aos meios de cometê-lo;
- isolamento social;
- histórico familiar de agressão ou abuso;
- uso abusivo de álcool e outras drogas.
Suicídio na Perspectiva de Sartre
Para Sartre, o que mantém as pessoas vivas existencialmente é a capacidade de se lançar para o futuro, de se projetar. Neste sentido, o projeto de um sujeito é sempre um projeto de “vida”.
Viver é, então, superar aquilo que está dado, a materialidade que nos rodeia, a sociabilidade onde nos encontramos, rumo ao futuro, um projeto que unifica a existência. É uma luta de superação do presente por meio de ações que só ganham sentido a partir do futuro que buscam concretizar.
Porém, se por um conjunto de circunstâncias, a vida lançar a pessoa a uma experiência de “estreitamento de possibilidades”, em que o futuro lhe pareça obscuro, a morte autoprovocada pode se apresentar como uma “saída”. Em outras palavras, seria como uma forma de lidar com a inviabilização do projeto de ser. Assim, Sartre nos alerta que o fenômeno do suicídio só poderá ser compreendido enquanto evento singular e que ganha sentido à luz de um projeto de ser. Dessa forma, tem configuração na dinâmica dada pelo projeto de ser original de um sujeito.
Contextos de Ocorrência do Suicídio
Deparar-se com a responsabilidade em construir e continuamente reafirmar um sentido para a vida exige posicionamento constante. Mas, além disso, exige que a própria realidade, a situação em que o sujeito se encontra, o ampare e dê condições para lidar com as exigências que a vida faz. Por vezes, são necessárias redes de apoio e ferramentas que possibilitem ao sujeito ultrapassar os desafios da vida e as inconstâncias de ser sujeito em um mundo de urgências, instabilidades e imprecisões. Assim, o suicídio pode aparecer como uma alternativa frente ao estreitamento de um campo de possibilidades, em que o sujeito pode avaliar que não há outra saída para uma situação de impasse vivenciada na sua realidade concreta.
Em certas situações, o suicídio poria fim, portanto, à angústia diante de uma existência de sofrimento. Seria, então, tentativa de pôr fim a uma situação existencial para a qual não vê outras possibilidades, emergindo o suicídio como alternativa de renúncia à vida vazia.
A experiência suicida pode ser entendida, portanto, como um aniquilamento existencial. Consiste na fuga do isolamento social e do sofrimento que o sujeito vivencia pela insegurança na realização do seu projeto de ser ou da inviabilização do seu desejo de ser. A perda dos laços de reciprocidade na rede de relações significativas e do sentido existencial pode levar o indivíduo ao sofrimento psíquico grave, chegando ao ponto de não ver mais sentido na própria existência.
Possibilidades e Fatores de Prevenção do Suicídio
Diversos estudos mostram que entre os fatores de prevenção do suicídio estão os relacionamentos interpessoais significativos. Entre eles, a família, amigos e ambientes saudáveis de trabalho, indicando que a coesão social é a condição ambiental protetora máxima. Sendo assim, para além do trabalho em psicoterapia, que focaliza o sujeito e seus grupos de pertença ao potencializar o fio de vida e de esperança que ainda resta para a pessoa em sofrimento, pode-se construir estratégias de intervenção que busquem construir ações que atuem sobre os determinantes sociais em saúde. Tais estratégias podem focar no fortalecimento de vínculos e laços sociais, bem como a diminuição de preconceitos e estigmas em ambientes acadêmicos, de trabalho, em hospitais e nas famílias, fortalecendo espaços de lazer, cultura e interação social.
Nessa mesma perspectiva, o existencialismo também permite compreender que a saída para situações de sofrimento inclui a ampliação do campo de possibilidades das pessoas, que envolvem não somente os aspectos subjetivos, mas o espaço mesmo de sua existência concreta. Desse modo, o engajamento para que as estatísticas se alterem, com a prevenção do suicídio, pode – e deve – ser coletivo. Está relacionado aos diversos setores da sociedade e também a uma mudança de racionalidade sobre o modo de compreender este fenômeno. É preciso compreendê-lo de modo não mais reducionista e somente descritivo, mas em seu caráter universal/singular.
Referências:
Alvarenga, Aracelly Galvino. (2015). O suicídio como radicalização do ato de não mais escolher: um estudo a partir do entrelaçamento entre filosofia e literatura em Sartre. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei.
Durkheim, E. O suicídio, estudo de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Pereira, Anderson Siqueira, Willhelm, Alice Rodrigues, Koller, Silvia Helena, & Almeida, Rosa Maria Martins de. (2018). Fatores de risco e proteção para tentativa de suicídio na adultez emergente. Ciência & Saúde Coletiva, 23(11), 3767-3777.
Sartre, Jean-Paul. (1997). O Ser e o Nada. 14a. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
Schneider, Daniela Ribeiro. (2006). Liberdade e dinâmica psicológica em Sartre. Natureza Humana, 8(2), 283-314.
Schneider, Daniela Ribeiro (2011). Sartre e a Psicologia Clínica. Florianópolis: EDUFSC.