A metodologia existencialista de Sartre – filósofo francês, autor de mais de 60 livros, incluindo importantes biografias – tem como princípios fundamentais a liberdade e a capacidade dos seres humanos de ressignificar o seu passado, de agir no presente e de modificar o seu futuro. Trata-se de uma linha de estudos diferente das abordagens deterministas, e que dá às pessoas o poder de fazer escolhas.
Enquanto algumas correntes de pensamento dizem que a personalidade das pessoas é formada por uma essência fixa, por questões inconscientes e até mesmo sociais – e, por isso, difíceis de acessar e modificar – Jean-Paul Sartre (1905 a 1980) compreende o ser humano como um “vir a ser”, em constante construção: movimentando-se no futuro, em direção a um futuro.
Personalidade e Consciência
Para Sartre, as pessoas não nascem com uma personalidade determinada ou com uma essência imodificável. Nós temos, deste modo, a capacidade de refletir e tomar decisões capazes de alterar a dinâmica de ser constituída ao longo de nossa história, por meio de nossas relações. E, também por isso, temos responsabilidade por nossos atos, pelo que nos tornamos – e a possibilidade de nos reinventarmos.
Quando nascemos, antes da essência, vem a existência. O ser humano primeiro existe, e só depois é influenciado por valores culturais da família e da sociedade. Assim, constitui sua personalidade pelo conjunto desses elementos. No entanto, para o pensamento Sartreano, “nós não somos o que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós”.
Sartre, assim, devolve a esperança ao ser humano. Prova que é possível ressignificar o passado, o presente e mudar a nossa forma de estar no mundo, definindo o futuro que teremos. Seus estudos nos possibilitam alterar o núcleo da nossa personalidade. No entanto, ele também nos mostra que a liberdade que tanto desejamos é, em si, uma condição humana.
Quando escolhemos um caminho, abrimos mão de várias outras possibilidades. E essa é a origem de muitas das nossas angústias. Apesar disso, o existencialismo de Sartre coloca o futuro em nossas mãos. Assim, permite nos experimentarmos de formas diferentes em nossa vida.
Tomar consciência de todos estes elementos e possibilidades não é tarefa fácil. Exige reflexões profundas e grande comprometimento. Trata-se de um processo de crescimento, que visa dar ao indivíduo maior autonomia e controle sobre a sua própria existência.
Como funciona
Para Sartre, os seres humanos nascem com uma dimensão material (o corpo) e uma consciência (subjetividade), que nos permite nos relacionarmos uns com os outros. A nossa personalidade e as nossas características, no entanto, não estão determinadas dentro de nós. Elas são construídas e reveladas a medida que nos relacionamos com outras pessoas e o mundo ao redor.
Estabelecendo relações com o mundo e os outros, construímos nossa personalidade por meio de diversos perfis (filho, estudante, marido, empresária). Vivenciamos as situações objetivas do cotidiano, acabamos por nos experimentar. De certo modo, fazemos uma avaliação sobre nós mesmos, como: sou um bom filho, sou um estudante relapso, sou um namorado amoroso, uma empresária talentosa.
A construção da personalidade surge dessa forma. Envolve as emoções, a adoção de modos de ser, de formas de sentir, agir e se conhecer. Somos então uma subjetividade objetivada.
“Na metodologia existencialista de Sartre o objeto de estudo não é o inconsciente, mas sim as situações vividas, as ações e as relações que revelam a personalidade do paciente” Andrea Hellena dos Santos, Psicóloga, CRP 12/8762.
“As sessões utilizam a descrição das situações que aconteceram com o paciente. A dinâmica das relações em cada um dos perfis das pessoas envolvidas para, efetivamente, entender a dinâmica de personalidade” Eliane Regina Ternes Torres, Psicóloga, CRP 12/02711.
“Não basta compreender. A gente precisa ir para a ação e se lançar diferente no futuro” Fabíola Langaro, Psicóloga, CRP 12/0799.
Por exemplo…
A temporalidade é um conceito bastante importante para Sartre. Assim que vivenciamos algo, no instante seguinte, esse algo passa a fazer parte do passado. Ninguém pode fugir disso.
Quando temos uma discussão familiar, por exemplo, rapidamente ela passa a fazer parte do passado. No entanto, as reflexões que fazemos sobre ela e a forma como iremos nos apropriar dessas reflexões são importantes. Passam a fazer parte do núcleo da nossa personalidade – podendo interferir em nosso futuro de forma decisiva.
“No momento da discussão, estamos tomados por emoções e nem sempre temos plena consciência de todos os elementos envolvidos na situação. Um dos pontos principais da Psicologia Clínica com base no existencialismo de Sartre é retomar essas vivências junto com o paciente, com uma descrição detalhada” Andrea Hellena dos Santos, Psicóloga, CRP 12/8762..
“A partir daí tentamos buscar elementos que não foram assimilados por ele durante essas ações. Estes elementos podem ajudá-lo a perceber e se apropriar daquela situação de forma completamente diferente e alterar uma parte importante de sua personalidade” Eliane Regina Ternes Torres, Psicóloga, CRP 12/02711.
“Essa reflexão não leva em conta apenas os episódios do passado, mas todo o contexto sociológico e antropológico (religioso, cultural, financeiro) em que o paciente está envolvido e que pode ter influência sobre a forma como ele se apropria de si mesmo” Fabíola Langaro, Psicóloga, CRP 12/0799
O processo também inclui a compreensão acerca dos impactos que as escolhas individuais possuem no contexto social. Sartre diz que “escolhendo para mim, eu escolho para o outro”. Trata-se de uma noção política da personalidade agindo no mundo e sobre o mundo, em um eterno vir a ser.
Liberdade e Autonomia
A Psicologia Clínica com base no existencialismo de Sartre mostra às pessoas uma série de possibilidades. A intenção é que, a partir dos exemplos concretos de ressignificação do passado, o paciente possa se livrar das amarras que lhe prendiam e comece a atuar no presente com mais compreensão de si próprio, indo para o futuro desejado.
Nós podemos ser influenciados pelo passado, mas a força que nos move vem do futuro. Nós precisamos agir para ser o que queremos ser.
Com a Psicologia Clínica baseada em Sartre, as pessoas se apropriam dos conceitos e ações que formaram a sua própria personalidade. Os pacientes fazem uma reflexão crítica de como se tornaram o que são na atualidade. Assim, conhecem a origem de suas próprias angústias, desejos e desafios.
Para além da resolução das questões individuais, a Psicologia Clínica baseada nos escritos de Sartre propõe uma nova forma de ver a si mesmo, de refletir sobre as relações e de se apropriar do mundo à sua volta. O objetivo é dar autonomia ao indivíduo, para que, depois da alta da psicoterapia, ele tenha maior compreensão de todos estes processos e possa lançar-se ao futuro com possibilidades ampliadas.