Atualmente, percebemos um movimento em busca de cuidados paliativos aos pacientes que sofrem com doenças cuja cura não é uma possibilidade. Para entendermos melhor a aplicação desses cuidados, é interessante conhecermos o contexto atual da saúde e a cultura de tratamento.
Contexto Atual em Saúde
O avanço tecnológico, associado ao desenvolvimento da ciência médica, tem contribuído para o diagnóstico e o tratamento de enfermidades. Assim, muitas doenças, antes mortais, se transformaram em doenças crônicas. Por esse motivo, estabeleceu-se uma cultura dominante na sociedade ocidental que considera a cura das doenças como o principal objetivo dos serviços de saúde. Esta cultura propagou uma esperança para a preservação da vida. Ao mesmo tempo, transformou a morte em fracasso do sistema de saúde (Maciel et al., 2006; Santos, 2011; Garcia, Rodrigues & Lima, 2014).
Porém, uma importante parcela da população que adoece não pode se beneficiar dos cuidados com foco curativo. No Brasil, de acordo com estimativas do DataSus (Brasil, 2012), aproximadamente 1,1 milhão de pessoas morre por ano. Entre elas, em torno de 700.000 morrem em decorrência de doenças de evolução crônica ou degenerativa e neoplasias. Assim, mais de 60% dos brasileiros morrem em decorrência de doenças crônicas lentamente progressivas. Enfrentam períodos cíclicos de reagudização, até que delas advenha a morte (Maciel et al., 2006; Menezes & Barbosa, 2013).
Os serviços de saúde raramente estão preparados para tratar e cuidar do sofrimento destes pacientes e o de seus familiares. Em geral, o processo de morrer enfrenta baixa qualidade dos atendimentos prestados (Costa Filho, Costa, Gutierrez & Mesquita, 2008; Queiroz, Pontes, Souza & Rodrigues, 2013). Para estes casos, a OMS (WHO, 2002, 2014) indica os cuidados paliativos (CP) (Maciel et al., 2006; Floriani & Schramm, 2007; Queiroz et al., 2013).
Cuidados Paliativos: o que são?
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os cuidados paliativos são uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares. Destinam-se àqueles que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento. Devido à complexidade das necessidades desses pacientes e de seus familiares, constituem um campo interdisciplinar de cuidados totais, ativos e integrais.
A prestação de ações paliativas em sentido genérico está implícita na abordagem ao paciente. Assim, trata-se de uma parte importante do trabalho da maioria dos profissionais de saúde, independentemente de sua formação particular. No entanto, a prestação diferenciada de cuidados paliativos a pessoas em fase avançada de doença incurável merece destaque e priorização nas políticas nacionais de saúde (Maciel et al., 2006). Dessa forma:
[…] receber cuidados paliativos eficientes é um direito de cada indivíduo e dever de cada profissional. Essa assistência deve estar disponível a todos os pacientes que dela necessitem. Diagnosticar com o máximo de precisão as causas dos problemas (geralmente são muitas e de natureza diversa) é essencial para um bom controle dos sintomas, assim como a avaliação constante dos sintomas apresentados pelo paciente (Maciel et al., 2006, p. 35).
Princípios dos Cuidados Paliativos
Visando criar diretrizes para o atendimento a pacientes graves e em final de vida, foram definidos como princípios dos cuidados paliativos:
- promover o alívio da dor e de outros sintomas estressantes;
- reafirmar a vida e ver a morte como um processo natural;
- não antecipar e nem postergar a morte;
- integrar aspectos psicossociais e espirituais ao cuidado;
- oferecer um sistema de suporte que auxilie o paciente a viver tão ativamente quanto possível, até a sua morte;
- oferecer um sistema de suporte que auxilie a família e os entes queridos a sentirem-se amparados durante todo o processo da doença;
- serem iniciados o mais precocemente possível, junto a outras medidas de prolongamento de vida, como a quimioterapia e a radioterapia, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreensão e manejo dos sintomas (WHO, 2014).
Pesquisa Mundial
Em pesquisa que avaliou a qualidade do cuidado a pacientes em final de vida em 80 países, no ano de 2015, o Brasil aparece como o 42º colocado de uma lista liderada pelo Reino Unido e pela Austrália. Os critérios para essa avaliação foram:
- ambiente de cuidados em final de vida;
- recursos humanos;
- acessibilidade aos cuidados e qualidade dos cuidados no final de vida (Economist Intelligence Unit, 2015).
De acordo com estimativas mundiais, aproximadamente 20 milhões de pessoas morrem tendo indicação para cuidados paliativos, porém sem receber atenção adequada, o que poderia minimizar sofrimentos decorrentes do adoecimento (Lima, 2011). Segundo Santos (2011), para cada um milhão de habitantes, estima-se mil pacientes com necessidade de cuidados paliativos por ano.
Cuidados Paliativos no Brasil
O Brasil, por ter cerca de 200 milhões de habitantes, precisaria projetar uma estrutura para atender 200 mil pacientes/ano. Até 2011, havia cerca de 60 unidades de CP no território nacional. Entre elas, a maioria atuando apenas domiciliar ou ambulatorialmente, ou seja, um número ainda insuficiente (Santos, 2011). Por sua vez, o estado de Santa Catarina possui somente uma unidade específica no tratamento desses pacientes, conforme dados da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos, situada em Florianópolis (Rodrigues, 2012).
Portanto, não há, no Brasil, uma estrutura de cuidados paliativos adequada às demandas existentes, tanto do ponto de vista quantitativo quanto do qualitativo. O próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) só em 2011 reconheceu os cuidados paliativos como uma especialidade médica. Os conhecimentos sobre o tema são escassos e há poucos cursos de especialização na área. Não existe ainda modelo de padronização para esse tipo de atendimento. Além disso, as práticas paliativas ainda não estão regulamentadas legalmente (Maciel et al., 2006; Santos, 2011).
Em consequência desse cenário, os pacientes com doenças para as quais não há possibilidade de cura acumulam-se nos hospitais. Recebem assistência inadequada, quase sempre focada na tentativa de cura, utilizando métodos invasivos, que acarretam pouco ou nenhum benefício. Essas abordagens, ora insuficientes, ora exageradas e desnecessárias, quase sempre ignoram o sofrimento. Ademais, são incapazes, por falta de conhecimento adequado, de tratar os sintomas mais prevalentes (Matsumoto, 2012; Floriani & Schramm, 2007).
Desafios Atuais
Portanto, existe no país o desafio de inverter o atual panorama dos cuidados oferecidos aos pacientes em final de vida e de implantar medidas concretas que incluam melhoria dos cuidados oferecidos nos recursos já existentes, formação de grupos de profissionais e educação da sociedade em geral. Não se trata de cultivar uma postura contrária à medicina tecnológica, mas de refletir sobre a conduta das equipes de saúde diante da mortalidade humana (Matsumoto, 2012).
Contudo, estruturar serviços de saúde que cuidem de pessoas com doenças sem perspectiva de cura implica em compreender como a morte é pensada nas sociedades modernas e os impactos gerados por essas concepções nos serviços de saúde. Com frequência, os profissionais de saúde tratam de seus pacientes a partir do paradigma do curar, que privilegia a tecnologia médica e investe “na vida a qualquer preço”, em contrapartida ao paradigma do cuidar, quando há uma aceitação da morte como parte da condição humana e leva-se em conta a pessoa doente, não somente a doença (Pessini, 2001; Menezes, 2003; Menezes & Barbosa, 2013).
Suporte da Equipe de Cuidados Paliativos
Nos cuidados a pacientes graves e a suas famílias, cabe às equipes de cuidados paliativos oferecer o suporte para as tomadas de decisões, a expressão de sentimentos e dúvidas, a busca pela aceitação do adoecimento e da terminalidade, a elaboração de lutos, a mediação de diálogos críticos, o enfrentamento do processo de morrer, o auxílio para encerramento de pendências e o estímulo à consideração de crenças, valores e desejos do paciente e de sua família para as tomadas de decisão em condutas clínicas (Franco, 2008).
Com frequência, os sujeitos envolvidos pelo adoecimento e pela proximidade da morte encontram dificuldade de enxergar possibilidades de escolhas, visualizar que ainda há vida a ser vivida, futuros a serem viabilizados, experiências a serem compartilhadas. Assim, a equipe poderá oferecer mediação a pacientes e familiares, possibilitando reflexões acerca de suas histórias de vida e de seus desejos, auxiliando-os a realizar escolhas que viabilizem seus projetos de ser, compreendendo que há ainda um futuro a ser construído, mesmo sendo ele composto por meses, dias ou mesmo horas.
Nós da Consciência Psicologia temos experiência com a prática dos Cuidados Paliativos e desejamos ampliar o acesso da população a essa abordagem de cuidados em saúde. Conte conosco!
Referências
Brasil. (2012). Portal da Saúde. Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Indicadores e Dados Básicos: IDB 2012. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 31 de janeiro de 2019, de http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/matriz.htm.
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Garcia, J. B. S., Rodrigues, R. F., Lima, S. F. (2014). A estruturação de um serviço de cuidados paliativos no Brasil: relato de experiência. Rev Bras Anestesiol, 64(4), 286-291.
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Maciel, M. G. S., Rodrigues, L. F., Naylor, C., Bettega, R., Barbosa, S. M., Burlá, C., Vale e Melo, I. T. (2006). Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil. Documento elaborado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos, Rio de Janeiro: Diagraphic.
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