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Uma Clínica Existencialista do Luto 

24/07/20

Quando falamos em luto, com frequência associamos este processo como reação à perda de alguém pela sua morte. Porém, há diversos lutos que ocorrem por perdas simbólicas ao longo de nossa vida. Neste texto, abordamos o significado do luto e a forma como lidar com ele através da clínica existencialista. 

Diferentes Lutos

Quando mudamos de cidade, podemos nos enlutar pela casa deixada para trás, pela convivência com os arredores e relação com os espaços. Quando deixamos um emprego, ainda que para outro melhor ou para usufruir da aposentadoria, também podemos nos enlutar. Entre as razões, pela perda da posição que ocupávamos, pela ausência do reconhecimento que tínhamos pelas pessoas com quem nos relacionávamos, pelas trocas até então realizadas, entre outras.

Algumas perdas são evidentes. Outras, no entanto, são de difícil identificação até mesmo por quem passa por elas. Em processos de adoecimento, por exemplo, são frequentes vivências de luto antecipatório – ou seja, por perdas que vão acontecendo durante a doença, antes que a morte aconteça. Às vezes, perde-se a função ocupada na família – de cuidador, a pessoa passa a ser cuidada; de provedor, passa a ser provida. Em famílias com um ente querido com demência, é comum a experiência de perder a relação do modo como era. O pai já não é mais aquele para quem os filhos podem ligar pedindo conselhos, já não é mais o marido que cuida das finanças ou leva os netos para passear nos finais de semana. 

No período atual de pandemia, perdemos contato e convivência com pessoas queridas. Perdem-se, com isso, oportunidades de experimentar-se do modo como somente algumas pessoas conseguem nos fazer sentir. Perde-se a possibilidade de afeto físico, do amparo amoroso, dos colos aconchegantes. Perde-se a oportunidade de confraternizar em grupo, de realizar discussões acaloradas e de que surjam risadas espontâneas e sorrisos ou lágrimas fáceis.

E há também o luto pela morte. Pela morte de tantos brasileiros, com suas singularidades suprimidas em números, pelas dores não contempladas nas estatísticas crescentes. Há um sentimento de tristeza e solidariedade por aqueles para quem os algarismos representam a totalidade: perderam alguém insubstituível.

A Dor do Luto sob a Ótica Existencialista

A dor do luto, dizem os estudiosos, é proporcional ao amor e ao vínculo que se tinha/tem com a pessoa falecida. Quanto mais se ama, maior a dificuldade em despedir-se de modo definitivo, tendo então que lidar com a concretude dura de um “nunca mais”.

Quando se perde alguém a quem se ama, não é apenas o outro que desaparece com sua história. É uma vida comum que se interrompe. O outro morre em sua presença física e o enlutado experimenta a perda de possibilidades de ser com esse outro, do nós enquanto temporalidade compartilhada.

Isso significa que o enlutado perde mais do que um “outro”, perde também possibilidades próprias de existir no mundo. Viver, então, um luto, é se ver às voltas com a desorganização de um mundo que antes era compartilhado, mas que continua exigindo ações, significações e sentidos. Agora, só é possível imaginar o que o outro diria e sentiria enquanto se escolhe mudar de casa, mudar de emprego, casar ou viver a paternidade. 

Porém, ao imaginar o que o outro diria sobre essas experiências, fica evidente o quanto a presença dele/a se mantém, embora não mais de modo físico. É a força de sua mediação, que pode ser maior do que mesmo outras mediações de pessoas ainda vivas com quem se compartilha ainda o espaço e o tempo.

Viver com a ausência

Sendo assim, para os que ficam, a morte de alguém que lhe foi significativo afeta o seu ser e seu projeto, relacionado ao valor da mediação que o ente falecido tinha e tem para o enlutado. Ou seja, carrega-se ainda a importância e a mediação do outro, ainda que ausente. Por isso, as pessoas falam em “deixar sua marca”, na justa medida em que, uma vez não mais presentes, suas vidas continuam através do sentido de ser que conseguiram produzir nos outros.

A tarefa que o luto pela morte nos impõe é, então, viver com a ausência. É encontrar novas formas de existir, compreendendo que o outro ainda se faz mediação para o meu ser, mas que todo sentido será dado, a partir de agora, por quem fica. 

Clínica Existencialista do Luto

Uma clínica existencialista do luto se constitui, então, pelo reconhecimento das perdas experimentadas. Pela compreensão do modo como cada perda vivida afeta cada sujeito em sua singularidade, enquanto ser que se constitui nas relações (com os outros, com as coisas, com seu corpo, com a materialidade, com o tempo). As dores e sabores de cada perda só serão compreensíveis na justa medida em que compreendermos quem é o sujeito que sofre.

Além disso, essa é também uma clínica que visa a abertura de possibilidades para novas formas de ser a partir de uma realidade que agora se impõe diferente. E isso pode se aplicar a outra cidade, outro emprego (ou sem ele), agora pelo isolamento em casa ou com a ausência de um ente querido. É o estar-com o sujeito que sofre, auxiliando-o a construir outras possibilidades de existir – em meio à dor, à saudade, ao vazio que por vezes insiste em permanecer. É não esperar que o luto seja superado, mas incorporado ao caminhar da vida de modo que seja possível continuar visualizando futuros dignos de serem desejados.

Na Consciência Psicologia, clínica existencialista, auxiliamos as pessoas a lidarem com o luto e com tantos outros sentimentos que vivenciam. Realizamos atendimentos presenciais e online. Conheça nossa equipe de profissionais. Se precisar de ajuda, conte conosco

Referência

Freitas, Joanneliese de Lucas. (2018). Luto, pathos e clínica: uma leitura fenomenológica. Psicologia USP, 29(1), 50-57.

 

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